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A poética exposição de Karola Braga–fadada à não-visitação devido à pandemia.

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Resultado de sua residência artística, a obra de Karola Braga, “A vida não é um mar de rosas”, apresenta de forma poética a imperfeição inerente da vida como mobilizadora de afetos e potência de contato com o outro.

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Sentindo um rastro olfativo de rosas que se dissemina para além do espaço onde a obra acontece, na Galeria Flávio de Carvalho do Complexo Cultural Funarte SP, nos incorporamos à atmosfera da obra antes mesmo de estabelecer qualquer contato visual com a mesma que evoque sentimentos mais conscientes. Nos atraímos pelo cheiro envolvente, que nos convida a entrar no recinto como a mergulhar em um oceano de tranquilidade que contrasta com a conturbação do todo ao redor no qual vivemos. O silêncio costumeiro dos espaços artísticos aqui tem sua razão de ser: é como se o cheiro já dissesse o suficiente para qualquer som povoe o mesmo espaço. Apenas sinta.

 

Com cerca de 20.000 mini rosas de gesso perfumadas dispersas pelo espaço da galeria em ritmos variados que fazem alusão à pequenas marolas, nos encontramos com um mar de rosas — material e simbólico — que apresenta a irrealidade deste cenário de calmaria já com a negativa expressa em seu enunciado de origem na sabedoria popular. A altura de nossos olhos, a frase “eu sinto muito por isso” destaca-se como a fala de um outro que compartilha do penar e acolhe, estabelecendo um canal de conexão, um meio de nos tocarmos mutuamente ainda que sem contato físico: é o sentir que nos une.

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Interrompida junto com toda programação cultural do país e fadada à não-visitação por conta da pandemia que justamente nos impede de respirar, a instalação olfativa de Karola Braga requer a presença do corpo para que se realize completamente, devendo ser experimentada por um dos nossos único sentidos ainda não explorados pelas mídias digitais.

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Esse apelo ao físico que se choca com a proposta da obra em meio ao contexto no qual ela surge, fazem contudo as suas reflexões pertinentes como nunca. A suspensão do toque — seja o do aroma na nas narinas ou o de dois corpos em um abraço como aqueles que foram na abertura da exposição, pré isolamento social, gostariam de ter dado na artista — afeta a todes, e o consolo diante desta dura realidade que nos acomete também é mútuo.

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Limitados às conexões à distância, a presença, que ironicamente agora se realiza exclusivamente de formas não-físicas, nos lembra que o sensível é insubstituível. E enquanto aguardamos por poder exercê-la novamente em toda sua potencialidade, para novamente sentir o aroma das flores, contemplar a arte e compartilhar momentos e carinhos com quem amamos, nos amparamos virtualmente desde os nossos refúgios particulares, repetindo uns aos outros o que de comum mantemos diante de uma vida que foi, é, e continuará carregando suas tristezas: nós sentimos muito por isso.

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Andréia Rocha é formada em Ciências Sociais pela USP e pós-graduada em Pesquisa de Tendências pelo IED-Barcelona. Foi pesquisadora e assistente de curadoria do Museu de Arte Contemporânea da USP e trabalha com pesquisa criativa, tendências e inovação para projetos de audiovisual e comunicação. Apaixonada por artes do corpo, tem formação em ballet clássico e também estudou dança contemporânea, flamenco, butô e performance.

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